O romance passa-se no subúrbio carioca e Lima Barreto descreve o
ambiente suburbano com riqueza de detalhes, como os vários tipos de casas,
casinhas, casebres, barracões, choças e a vida das pessoas que ali vivem.
Clara é uma mulata pobre, que vive no subúrbio carioca com seus pais,
Joaquim e Engrácia, mulher sedentária e caseira. Joaquim era carteiro, gostava
de violão e de modinhas. Ele mesmo tocava flauta, e também compunha valsas,
tangos e acompanhamentos de modinhas. Além da música, a outra diversão do pai
de Clara era passar as tardes de domingo jogando solo com seus dois amigos: o
compadre Marramaque e o português Eduardo Lafões, um guarda de obras públicas.
Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque freqüentara uma pequena roda de
boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís
Murat.
Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas
literárias, grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos
que aprendem muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas, tendo
um cultura superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar
nas rodas de gente fina.
Clara era a segunda filha do casal. Tinha dezessete anos, era ingênua e
fora criada com muito desvelo, recato e carinho e a não ser com a mãe ou pai,
só saía com Dona Margarida, uma viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e
ensinava a Clara bordados e costuras.
O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça: sua alma
amolecida, capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou menos
ousado, farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os
bordelengos fazem das raparigas de sua cor como resultado de sua educação
reclusa e temperada pelas modinhas.
Essa natureza elementar de Clara se traduzia na ausência de ambição em
melhorar seu modo de vida ou condição social por meio do trabalho ou do estudo.
A descrição de Clara reforça os malefícios da formação machista,
superprotetora, repressiva e limitadora reservada às mulheres na nossa
sociedade.
Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o
pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição
social melhor.
O padrinho Marramaque, que já lhe conhecia a fama, tenta afastá-lo de
Clara quando percebe seu interesse. Na festa de aniversário da afilhada,
provoca Cassi e deixa claro que ele não é bem-vindo ali e que seria melhor que
se retirasse. Cassi vinga-se de modo violento: junta-se a um capanga e ambos
assassinam Marramaque. Clara, que já suspeitava das ameaças do rapaz ao
padrinho, passa a temê-lo, mas ele consegue seduzi-la, principalmente ao
confessar seu crime, dizendo que matou por amor a ela.
Malandro e perigoso, Cassi já havia se envolvido em problemas com a
justiça antes, mas sempre fora acobertado pela sua família, especialmente sua
mãe, que não queria que fosse preso. Assim, conseguia subornar a polícia e
continuar impune, mesmo depois de ter levado a mãe de uma de suas vítimas a perseguição
da imprensa e ao suicídio..
O exagero narrativo de Lima Barreto torna-se patente ao descrever a
figura do sedutor. Branco, sardento e de cabelos claros, é a antítese de Clara.
Clara engravida e Cassi Jones desaparece. Convencida pela vizinha, dona
Margarida, que procurara na tentativa de conseguir um empréstimo e fazer um
aborto, ela confessa o que está acontecendo à sua mãe. É levada a procurar a
família de Cassi e pedir reparação do dano. A mãe do rapaz humilha Clara,
mostrando-se profundamente ofendida porque uma negra quer se casar com seu
filho. Clara agora é que tinha a noção exata da sua situação na sociedade. Fora
preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os
desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça
como as outras; era muito menos no conceito de todos. O autor representa, na
figura de Clara e no seu drama, a condição social da mulher, pobre e negra,
geração após geração. .
E, na cena final, ao relatar o que se passara na casa da família de
Cassi Jones para a sua mãe, conclui, em desespero, como se falasse em nome
dela, da mãe e de todas as mulheres em iguais condições: “Nós não somos nada
nesta vida”!