O Cortiço (Aluízio Azevedo)


Alguns personagens mais importantes:

  • João Romão: português branco e ambicioso, dono da estalagem.
  • Bertoleza: escrava preta que amasiou-se com o João Romão.
  • Miranda,  Dona Estela e sua filha Zulmira: vieram morar próximo à João. Miranda é de classe mais elevada  e ele recebeu do governo português o título de Barão do Freixal. Sua mulher, Dona Estela o traía. Também havia nessa família o velho Botelho (ex-empregado) que chegou a flagrar Dona Estela se “escovando” com Henrique, acadêmico de medicina que viera do interior para acabar seus estudos.
  • Jerônimo, sua mulher Piedade e sua filha de 9 anos crismada por todos de “Senhorinha”. Jerônimo era um português alto, entre trinta e cinco e  quarenta anos e viera trabalhar para João na pedreira.
  • Rita baiana: mulata dançarina provocante, tinha caso com o Firmo e mais adiante passou a viver com o Jerônimo que se apaixonou por ela, deixando sua mulher e filha para ir viver com Rita.
  • Bruno e sua mulher Leocádia. Sua mulher o traía e chegou a se encontrar com Henrique, sendo pêgos por Bruno que despejou Leocádia para fora de casa.
  • Marciana era mãe de Florinda. A garota engravidou de Domingos (caixeiro da venda de João), o mesmo foi obrigado a se casar ou a fornecer dotes. Mais adiante Florinda ficara envolvida por um despachante.
  • Léonie era muito amiga de Pombinha. Léonie era  prostituta e lésbica e chegara a dar uns beijos e afagos em Pombinha que a deixara traumatizada. Dona Isabel, era mãe de Pombinha, (que escrevia cartas para o pessoal). Pombinha iria se casar mesmo incerta disso; acabou se casando com o Costa. Mais tarde Pombinha juntara-se à Léonie e atirara-se ao mundo. De tanto desgosto, D. Isabel (mãe de Pombinha) morrera em uma casa de saúde.
  • Pataca e Zé Carlos (juntamente com o Jerônimo): espancadores do Firmo que o levou a morte.
  • Firmo: malandro valentão
  • A Machona Augusta: lavadeira gritalhona

João Romão, português, branco e ambicioso, juntando dinheiro a poder de penosos sacrifícios, compra um pequeno estabelecimento comercial no subúrbio da cidade (Rio de Janeiro). Ao lado morava uma preta, escrava fugida, trabalhadeira, que possuía uma quitanda e umas economias. Os dois amasiaram-se, passando a escrava a trabalhar como burro de carga para João Romão. Com o dinheiro de Bertoloza (assim se chamava a ex-escrava), o português compra algumas braças de terra e alarga sua propriedade. Para agradar a Bertoleza, forja uma falsa carta de alforria.
Com o decorrer do tempo, João Romão compra mais terras e nelas constrói três casinhas que imediatamente aluga. O negócio dá certo e novos cubículos se vão amontoando na propriedade do português. A procura de habitação é enorme, e João Romão, ganancioso, acaba construindo um vasto e movimentado cortiço. Ao lado vem morar outro português, mas de classe elevada, com certos ares de pessoa importante, o Senhor Miranda, cuja mulher leva uma vida irregular.
Miranda não se dá com João Romão, nem vê com bons olhos o cortiço perto de sua casa. No cortiço moram os mais variados tipos: brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios, benzedeiras etc. Entre outros: a machona, lavadeira gritalhona, "cujos filhos não se pareciam uns com os outros", Alexandre, mulato pernóstico; Pombinha, moça franzina que se desencaminha por influência das más companhias; Rita Baiana, mulata faceira que andava amigada na ocasião com Firmo, malandro valentão; Jerônimo e sua mulher, e outros mais.
João Romão tem agora uma pedreira que lhe dá muito dinheiro. No cortiço há festas com certa freqüência, destacando-se nelas Rita Baiana como dançarina provocante e sensual, o que faz Jerônimo perder a cabeça.
Na casa de Miranda era uma festa só! Ele havia sido agraciado com o título de Barão do Freixal pelo governo português. João indagava-se, por não ter desfrutado os prazeres da vida, ficando só a economizar. Diante de tal injúria, com muito mau humor implicava com tudo e todos do cortiço. Fez despejar na rua todos os pertences de Marciana. Acusou-a de vagabunda, acabando ela na cadeia.
A festa do Miranda esquentava e João recebeu convite para ir lá, o que o deixou ainda mais injuriado. O forró no cortiço começou, porém uma briga feia se travou entre Jerônimo e Firmo. Barricada impedia a polícia de entrar, o incêndio no número 12 fez subir grande desespero, era um corre-corre, polícia, acidentados (Jerônimo levou uma navalhada) e para finalizar caiu uma baita chuva. João foi chamado a depor, muitos do cortiço o seguiram até a delegacia, como em mutirão. Rita incansavelmente cuidava do enfermo Jerônimo dia e noite.
Naquela mesma rua, outro cortiço se forma. Os moradores do cortiço de João Romão chamam-no de "Cabeça-de-gato"; como revide, recebem o apelido de "Carapicus". Firmo passou a morar no "Cabeça-de-gato", onde se torna chefe dos malandros. Jerônimo, que havia sido internado em um hospital após a briga com Firmo, arma uma emboscada traiçoeira para o malandro e o espanca a pauladas, lançando o seu corpo ao mar e fugindo em seguida com Rita Baiana, abandonando a mulher.
A morte de Firmo já rolava solta no cortiço. Rita estava com Jerônimo. Ele, sonhando começar uma vida nova, escreve logo ao vendeiro despedindo-se do emprego, e à mulher contando-lhe do acontecido e prometendo-lhe somente pagar o colégio da garota. Piedade e Rita se atracaram no momento em que a mulata saía de mudança, o cortiço todo e mais pessoas que surgiram, entraram na briga. Foi um tremendo alvoroço, acabara sendo uma disputa nacional (Portugueses x Brasileiros).
Nem a polícia teve coragem de entrar sem reforço. Querendo vingar a morte de Firmo, os moradores do "Cabeça-de-gato" travam séria briga com os "Carapicus". Travou-se a guerra, a luta dos capoeiristas rivais aumentava progressivamente quando o incêndio no número 88 desatou, ensangüentando o ar. A causa foi a mesma anterior. Por um desejo maquiavélico, uma velha considerada bruxa incendiou sua casa, onde morreu queimada e soterrada, rindo ébria de satisfação. Com todo alvoroço, surgia água de todos os lados e só se pôs fim na situação quando os bombeiros, vistos como heróis, chegaram. O velho Libório (mendigo hospedado num canto do cortiço) ia fugindo em meio a confusão, mas João o seguiu. Morrera também naquele incêndio além da bruxa, o Libório e a filhinha da Augusta além de muitos feridos. Para João o incêndio era visto como lucro, pois o cortiço estava no seguro, fazendo ele planos de expansão baseado no dinheiro do velho mendigo. Por conseqüências do incêndio Bruno foi parar no hospital, onde Leocádia foi visitá-lo ocorrendo assim a reconciliação de ambos, que estavam separados. As reformas expandiram-se até o armazém e as mudanças no estilo de João também alcançavam um nível social cada vez mais alto.
O cortiço não parecia mais o mesmo, agora calçado, iluminado e arrumado todo por igual. O sobrado do vendeiro também não ficara para trás nas reformas. Quem se destacou foi Albino (lavadeiro homossexual) com a arrumação de sua casa. A vida transcorria, novos moradores chegavam. Já não se lia sob a luz vermelha na porta do cortiço "Estalagem de São Romão", mas sim "Avenida São Romão". Já não se fazia o "Choradinho" e a "Cana-verde", a moda agora era o forrobodó em casa, e justo num desses em casa de das Dores, Piedade que passara a beber enchera a cara e Pataca é que lhe fazia companhia e querendo agarrá-la depois de ouvir seus lamentos, nada se sucedeu pois a caninha surtiu efeito (vômito)...
João Romão, agora endinheirado, reconstrói o cortiço, dando-lhe nova feição e pretende realizar um objetivo que há tempos vinha alimentando: casar-se com uma mulher "de fina educação", legitimamente. Lança os olhos em Zulmira, filha do Miranda. Botelho, um velho parasita que reside com a família do Miranda e de grande influência junto deste, aplaina o caminho para João Romão, mediante o pagamento de vinte contos de réis. E em breve os dois patrícios, por interesse, se tornam amigos e o casamento é coisa certa. Só há uma dificuldade: Bertoleza.
João Romão fica imaginando em como livrar-se dela: manda um aviso aos antigos proprietários da escrava, denunciando-lhe o paradeiro. Pouco tempo depois, surge a polícia na casa de João Romão para levar Bertoleza aos seus antigos senhores. A escrava compreende o destino que lhe estava reservado, suicida-se, cortando o ventre com a mesma faca com que estava limpando o peixe para a refeição de João Romão. Naquele mesmo instante João Romão recebera um diploma de sócio benemérito da comissão abolicionista.                                                                                                  
                                                                                                                                                 Fim



A Obra


(Apresentação de Francisco Achcar na edição paradidática do Colégio Objetivo, 1996)

O cortiço foi publicado em 1890, em meio à atividade febril de produção literária a que Aluísio de Azevedo se viu obrigado, em seu projeto de profissionalizar-se como escritor. Teve de escrever muitos romances e contos para atender a pedidos de editores, que procuravam corresponder ao gosto do público leitor, um gosto marcado pelo pior tipo de romantismo. Por isso, produziu muita literatura inferior, baixamente romântica, estilisticamente descuidada. Mas O cortiço tem situação inteiramente à parte nessa produção numerosa e quase toda sem importância, pois neste livro Aluísio põe em prática os princípios naturalistas, em que acreditava, e toda sua capacidade artística.

O romance é de nítido recorte sociológico, representando as relações entre o elemento português, que explora o Brasil em sua ânsia de enriquecimento, e o elemento brasileiro, apresentado como inferior e vilmente explorado pelo português. A obra revela a aceitação de idéias filosóficas e científicas do tempo: aparecem, diluídas no livro, noções de determinismo e de evolucionismo.

Na elaboração de O cortiço, Aluísio de Azevedo seguiu, como em Casa de Pensão a técnica naturalista de Zola. Visitou inúmeras habitações coletivas no Rio; interrogou lavadeiras, capoeiras, vendedores, cavouqueiros; observou-lhes a linguagem; escutou atento os ruídos coletivos dos cortiços; sentiu-lhes o cheiro (como na obra de Zola, as imagens olfativas têm importância na fixação do ambiente. Segundo um processo criado pelos naturalistas); viu-lhes a promiscuidade e notou que as coletividades, apesar de divergirem, são ligadas por um estranho sentimento de classe, que as une, nos momentos mais críticos, quando são esquecidos os ódios e as divergências. Com toda essa “documentação”, criou o enredo em torno de um problema social que se tornava mais e mais grave, com a formação de grandes massas urbanas proletárias, constituídas em boa parte pelos operários dos primórdios da industrialização do país.

Duas grandes qualidades devem ser observadas no estilo de O cortiço: uma é a grande capacidade de representação visual do autor, certamente relacionada com sua habilidade para o desenho (como vimos, Aluísio exerceu, em certa época, a atividade de caricaturista) e que faz que tenhamos freqüentemente, ao ler o romance, a impressão de estarmos assistindo a um filme; a outra é a sua formidável habilidade para dar vida à multidão, ao grande grupo humano dos moradores do cortiço. De fato, vemos, no romance, essa coletividade pulsar, reagir, alegrando-se, deprimindo-se ou irando-se – e ocupando o lugar de personagem central da obra. Desse grupo variado e animado destacam-se alguns tipos, a que o romancista soube atribuir uma individualidade marcante. Entre estes últimos, é inesquecível a figura de Rita Baiana, a bela, sensual, generosa e graciosa mulata, que se tornou uma das personagens mais notáveis da literatura brasileira.