Prima Biela viera morar na cidade depois da morte de seu pai. Seu primo Conrado a buscou na fazenda do Fundão onde vivera isolada do mundo, na companhia apenas do pai e dos empregados. Conrado era casado com Constança e tinham cinco filhos; Mazília, Gilda, Fernanda, Alfeu e Silvino. A esposa, depois de muita conversa, o convencera de trazer a prima Biela para morar com eles.
No dia da sua chegada as crianças e Constança aguardavam ansiosas. No finalzinho da tarde prima Biela chegou acompanhada de Conrado. Para todos ela foi uma decepção, mais parecia um “bicho do mato”, com um vestido de chita, calada e de cabeça baixa. Constança falava sem parar devido ao silêncio de Biela, que resolveu ir para o quarto – oportunidade em que todos se juntaram para falar das impressões que ela causara.
Conrado era o tutor da prima e zelava pela riqueza que ela havia herdado. Os primeiros dias na casa foram muito difíceis para Biela. Se tivesse coragem teria pedido ao primo que a levasse de volta para a fazenda do Fundão. Constança representava para ela muita coisa, via nela uma ternura, lembrava-se da mãe, muito cedo perdida. Chegava a compará-la com uma das santas do altar. Admirava como ela comia, como se vestia e conversava.
Os momentos na mesa eram os mais constrangedores para Biela, seguravam-se para não rir do modo que ela comia e de como se atrapalhava com os talheres. Biela tinha medo de Alfeu, ele a perturbava, ria dela. Conrado só se sentiu melhor quando a prima finalmente trocou algumas palavras com ele. Perguntou-lhe quando chegavam suas coisas lá da fazenda.
Quando seus pertences chegaram, ela os organizou e na frente do espelho arrumou o coque de modo que parecesse com o de Constança. Foi a única vez em que sentiu orgulho e, por isso, na hora do jantar saiu com o coque arrumado. Viu o riso na cara de Alfeu, mas o sorriso de aprovação de Constança e a arrumada que Mazilia deu no coque a animara. Foi assim que saiu para comprar vestidos.
Ela não acreditava que podia comprar panos tão finos, mas Constança afirmava que ela era rica e podia gastar. No caminho para a loja, Constança sentiu-se envergonhada por estar em companhia de Biela, mas depois tal sentimento se desfez e elas compraram novos vestidos. Prima Biela para eles mais parecia um espantalho, parecia que os vestidos não lhe pertenciam. Ela via que não lhe caíam bem, mas sentia prazer por estar com panos tão bonitos.
Com o tempo Biela se transformou em uma presença comum na casa. Ela acompanhava Constança às missas e a algumas visitas, mas já fazia suas próprias amizades. Ficara conhecida na cidade, todos falavam que prima Biela era um moça muito boazinha. Em casa, com a família, falava apenas o necessário, se relacionava melhor com o pessoal da cozinha, Gomercindo e Joviana. Constança nem dava mais tanta importância a esse fato.
Foi então que a prima descobriu Mazília, passou a tratar com ela depois da tarde em que ela tocou piano. Biela sempre via aquele armário, mas não sabia do que se tratava. Ela e Mazília começavam uma pequena amizade. Ela continuava com suas visitas, até se perguntava como vivera tanto tempo solitária, longe do mundo, no Fundão. Ao mesmo tempo Biela também se dedicava a Mazília, achava-a a moça mais bonita, prendada e educada de todas. Quando ela ia tocar na igreja, ía à missa e bebia música.
Conrado passou a reunir alguns amigos para jogarem truco, Biela fazia bolos e quitandas e servia para eles junto com café. Foi assim que ela e Modesto começaram a trocar olhares. Ela não entendia o moço, mas Constança notou o que acontecia. Passou a falar dela para ele e vice e versa, sempre ressaltando as qualidades de cada um e muitas vezes até exagerando. Foi assim que o pai de Modesto pediu a mão de Biela em casamento para o filho.
Constança perguntou a Biela se era de bom agrado para ela. Ela não entendia o que Modesto queria, nem compreendia o porquê de se casar. Porém, via que o casamento agradava a família e assim aceitou. Nos encontros dos dois reinava o silêncio e hora ou outra ele lhe perguntava sobre suas posses. Modesto não gostava de trabalhar, mas seu pai dera um jeito nisso. E foi justamente um dos serviços de Modesto que o levou a fugir, abandonando a noiva.
Muitos comentaram sobre o caso. Depois de um tempo, Biela rasgou aqueles vestidos que a deixavam como um espantalho, vestiu seu vestido de chita e mudou o rumo de sua vida. As primas casaram e foram embora, Biela sofreu por Mazília. Alfeu foi estudar e Silvino virou fazendeiro como o pai.
Biela passou a viver na cozinha com os empregados, rompeu relações com a casa, mudou-se para um quartinho ao lado da despensa. Conrado e Constança apenas aceitaram o seu jeito de ser. Ela continuava com suas visitas, mas agora elas se direcionavam às empregadas da casa e não às donas. Com o tempo passou a realizar pequenos serviços nas casas e a receber moedas em troca.
Conrado se irritou com o fato de ver sua prima trabalhando em outras casas apesar de ser rica. Por isso, perguntou-lhe se ela não gostaria de cuidar do seu próprio dinheiro já que agora era capaz, por ser maior de idade. Mas Biela gostava das coisas como estavam. Biela envelhecia e aparentava muito mais idade do que realmente tinha. Tossia muito, mas não acreditava em médicos. Tomava suas receitas caseiras e seguia.
Um dia, ao voltar para casa, uma noite, encontrou um cachorro. Ele a seguia, mas não deixava que ela se aproximasse. Ele a seguiu até sua casa, e, depois de um tempinho, entrou pela porta que ela deixara aberta. Ela o alimentou e o batizou como Vismundo. Era sua paixão, o que tinha de mais precioso. Eram grandes amigos e os netos da casa a deixavam com ciúme quando brincavam com ele.
Foi nesses tempos que Biela, de fato, adoeceu. Constança se arrependeu por ter deixado as coisas tomarem o rumo que tomaram. Biela foi levada ao hospital e começaram a tratá-la. Vismundo sentia a falta da dona, foi visitá-la um dia. Conrado veio ao hospital e Biela fez seu testamento, assinando no lugar de seu nome: “Gabriela da Conceição Fernandes”.
Depois disso, transferiram-na para a área das indigentes, porque ela queria ficar com as amigas que fizera quando visitava o hospital. Conrado não aceitou, mas o médico acabou por convencê-lo, e ele só cedeu porque continuou a pagar pelo quarto que ela não usava.
Biela nem pode aproveitar a enfermaria geral onde conhecia algumas pobres amigas suas. Na terceira noite passou mal e o médico e os primos foram chamados. O novo padre da cidade veio e passou nos olhos, ouvidos, nariz, mãos e pés o óleo santo. Os olhos de Biela já estavam fechados para sempre enquanto ela via imagens de sua mãe cantando a cantiga de ninar, Mazília no vestido de noiva e por último Vismundo. Por fim, prima Biela faleceu.