Romance
publicado em 1938 Olhai os lírios do campo é um dos livros nacionais que maior
número de edições alcançou. Esse romance (na acepção amorosa da palavra) vem
conquistando o público leitor com sua linda, porém dramática história de
Eugênio e Olívia. Entretanto, Erico não escreve somente mais uma história de
amor, o ponto principal da obra é a lição de vida que ela nos passa: o respeito
aos nossos ideais. Olhai os lírios do campo narra a história de Eugênio, um
jovem médico, que sofre a angústia do mundo moderno. O livro divide-se em duas
partes sendo a primeira o cruzamento de dois níveis temporais: o presente: aqui
temos Eugênio dentro do carro em direção ao hospital para reencontrar sua amada
Eugênia, rememorando os fatos que fazem parte do seu passado, onde, junto a
ele, relembramos sua infância, seus traumas, seus aprendizados com Olívia, o
casamento com Eunice, a frustração, o sentimento de se ter vendido para vencer.
A segunda parte desenvolve-se de maneira mais linear, embora o passado se
misture ao presente da filha. Assim, nesta narrativa de vários planos
temporais, entrelaça-se uma crítica à sociedade fútil e vazia, ao acúmulo de
riquezas e à conseqüente hipocrisia das relações sociais. Saindo da fazenda em
direção ao hospital, Eugênio começa por relembrar fatos de seu passado, a
difícil infância, a família humilde. Surgem fatos como a humilhação no colégio,
por ter sua calça rasgada nos fundilhos numa brincadeira, por ter um pai
alfaiate, simplório, quando ele gostaria que seu pai fosse mais altivo. Nesse
relembrar, notamos uma formação ácida em Eugênio, um rancor que se foi formando
ao longo dos anos. Seu irmão que nada quer da vida, sua mãe que não reage ao
modo de vida que levam. Todos esses fatores sociais formam um perfil
psicológico ambicioso, determinado, que pensa fazer o que for preciso para
vencer na vida, ao contrário de seus pais, que nunca buscaram progredir.
Nesse
processo, a faculdade de medicina é o caminho mais curto, pois é a única forma
de um jovem pobre tornar-se um doutor. Porém na faculdade Eugênio mente sobre
suas origens, tem vergonha de sua família. Um dos episódios mais dramáticos da
obra surge num passeio com dois colegas de medicina em que Eugênio vê seu pai,
vestindo um terno roto e surrado, com um embrulho de baixo do braço,
provavelmente alguma roupa para ser entregue. Ao ver seu pai prestes a parar e
cumprimentar o orgulho da família, Eugênio finge não conhecê-lo, deixando-o de
chapéu na mão, em plena rua. Em casa, roído de remorso, anseia pelas críticas
paternas, pela raiva do pai, mas ele se decepciona, pois seu pai mantém a mesma
passividade, a vergonhosa humildade que tanto Eugênio odiava, ignorando o
acontecido. Neste mundo em crise, surge uma voz que traz um certo alento, que
apresenta certa alegria na vida desse jovem determinado em ser alguém na vida,
mas movido por rancores: Olívia. Ela surge como uma colega de faculdade que,
como ele, também vem de origem humilde, que com dificuldade formou-se. Fazendo
aquele homem fechado sorrir, Olívia o conquista desde o primeiro dia, tendo
encontros em seu pequeno apartamento, que representam a felicidade que Eugênio
ainda não havia experimentado. Entretanto, o trabalho e a vida ao lado de
Olívia não ofereciam ascensão esperada por ele. Eis que surge, então, Eunice,
rica, bela e interessada nele. Seduzido pela beleza dessa mulher e,
principalmente, pela perspectiva de subir na vida, de ter posses e dinheiro, de
ingressar na sociedade, sonho há muito almejado. Eugênio troca os momentos
felizes que tinha com Olívia, por essa vida a tanto almejada. Porém, segundo a
ótica do romance de 30, Erico Veríssimo busca mostrar que dinheiro não traz
felicidade. Com Eunice ele conquista a satisfação material, mas a felicidade
conjugal não. Tempos depois, reencontra Olívia, que tem uma filha, mas não está
casada. Isso o faz repensar toda a sua vida. Porém, mesmo angustiado, não
abandona a riqueza. Somente quando fica sabendo que Olívia está no hospital, às
portas da morte, Eugênio toma a decisão que muda sua vida, partindo de uma
mensagem de otimismo e confiança que Olívia deixara para ele. Era preciso
pensar nos outros e fazer alguma coisa em favor deles.... Por que não começar
algum trabalho em benefício das crianças abandonadas? Por que não dar-lhes
alimentação adequada, boas roupas e higiene, instrução, assistência médica e
dentária, colônia de férias, oportunidades de se divertirem, de serem
alegres...?
Então
nosso protagonista assume a filha, abandona a casa do sogro rico, abandona a
mulher Eunice e assume-se como um médico comunitário. É sintomático que o herói
do romance, Eugênio, seja médico. O médico tornou-se na sociedade atual, aquele
mediador entre a ciência, a técnica e o sentimento humanitário. Pensando
primeiro em si mesmo, egoisticamente, Eugênio evolui para a solidariedade,
através das colocações de Olívia, que embora morta, é um personagem presente no
romance, fazendo contraponto com Eugênio. O lirismo romântico da história de
Eugênio, descobrindo que o dinheiro não traz felicidade, exatamente nos moldes
do romance urbano de 30, de caráter socialista; a ambição de Eugênio traçada a
partir de uma vida difícil, que o alimenta de amargor e determinação na busca
de sua afirmação material. O grande sucesso dessa dramática história de amor
pode ser creditado à habilidade do autor de construir personalidades
psicológicas complexas: ninguém é só bom nem só ruim na obra.