Gabriel é o amante apaixonado de Ambrosina, que se viu dominado sob seus
caprichos e disposto ao sacrifícios do amor. Ela se transforma em Condessa
Vésper ao lado do príncipe D. Filipe. Mas o tesouro da sua beleza haveria de
fenecer e ser guardado para a “sensualidade do sepulcro”.
No Brasil, o maior exemplo de exposição da homossexualidade masculina,
na literatura do século XIX, deu-se através da pena de Adolfo Caminha em O Bom
Crioulo. Mas e a homossexualidade feminina? O assunto ficou a cargo de Aluísio
Azevedo. O conhecido autor de O Mulato, O cortiço e Casa de pensão, que é
apontado pelos historiadores literários como responsável por ter trazido para o
Brasil os ditames da escola de Émile Zola, escreveu, também, romances
românticos e fez, em pleno período Imperial, da pena o seu mister. Azevedo
costumava a escrever folhetins, um desses foi A Condessa Vésper. A obra, com
pitadas naturalistas e grandes doses de romantismo, expôs o safismo, isto é, o
lesbianismo na literatura brasileira.
A Condessa Vésper traz à tona uma variedade imensa de personagens, o
livro tem reviravoltas típicas de folhetins que podem ser observadas, ainda nos
dias de hoje, nas telenovelas. As principais personas são: Gaspar, Ambrosina, Gabriel,
Gustavo e Laura. Ambrosina, depois dum
casamento frustrado com um homem, Leonardo, que enlouquece no na noite de
núpcias, torna-se amante de Gabriel. Este último, um jovem que herdara uma boa
fortuna da mãe e fora criado por Gaspar, um médico, faz de tudo para manter
Ambrosina ao seu lado; porém, a jovem sempre consegue enganá-lo e pegar do
rapaz bons contos de réis. Laura é, tal como o grumete de O Bom Crioulo, a
paixão de Ambrosina, que conhece a garota graças a uma intervenção de Gabriel.
Ambrosina, num dos seus golpes, seduz Laura e foge para a Bahia. O interessante
é que, em nenhum momento, o narrador explícita com detalhes a relação amorosa
entre as duas mulheres. Há, pois, sempre um jogo de palavras, um eufemismo,
para trazer a lume a questão para o leitor. Gustavo, por sua vez, aparece na
história quase no findar da obra, quando Ambrosina, depois de retornar da
Europa — Laura já havia morrido —, torna-se a Condessa Vésper. A figura de
Gustavo é interessante, uma vez que o jovem assemelha-se muito a história de
vida do próprio Aluísio. Oriundo duma província, o rapaz além de tornar-se
escritor era também caricaturista. O fato é que, tal como Gabriel, Gaspar e
outras personagens, o provinciano também, depois de travar contato com
Ambrosina, tem sua vida ceifada.
Essa característica mórbida, de ceifadora, que Ambrosina desempenha na
narrativa e sua personalidade ladina que sempre atrapalha a vida dos outros
está, implicitamente nas palavras do narrador, ligada à sua opção sexual. A
conduta homossexual de Ambrosina, que não se regenera em nenhum momento do
romance, mesmo tendo ao seu lado um médico, que é uma figura muito utilizada
nos romances naturalistas e, até mesmo nos românticos, para colocar certas
personagens no caminho considerado correto, não funciona. A obra demonstra que
a homossexualismo, se não fosse curado, levaria não somente o indivíduo que
sofria de seus males à morte, bem como todos aqueles que o cercavam.
Características:
Condessa Vésper, de Aluísio Azevedo, foi primeiramente publicado no
periódico Gazetinha, como romance-folhetim. Ao ser editado em livro, sofreu
severas alterações, tendo sido totalmente modificado, ganhando, inclusive, um
bizarro capítulo 0. Além do mais, este "caso extraordinário" que, na
linguagem jornalística da época detinha o acento sensacionalista das
reportagens, ficou menos escandaloso em livro.
Trata-se de um romance que, se traz os defeitos de sua estrutura
folhetinesca, tem características bem mais relevantes, dentro do estilo
realista-naturalista que marcou a produção do autor, aliás um dos primeiros -
senão o primeiro - escritor profissional do Brasil.
Próximo de um romance de costumes, A condessa Vésper oferece agudas
observações da geografia humana do Rio de Janeiro da época, descreve admiráveis
painéis da cidade, dentro da perspectiva detalhista que caracteriza o estilo.
Do mesmo modo, estão presentes certos modos de falar e a riqueza vocabular que
alguns tipos humanos, ousadamente reconhecíveis nas classes despossuídas,
faziam uso.
É um romance que traz todos os defeitos da estrutura
folhetinesca, mas tem o mérito de traçar um interessante painel da sociedade
carioca da época. Com o detalhismo que era característico do autor e da
tendência realista, retrata bem a linguagem das camadas mais pobres da
população e a dinâmica das bases "podres" da sociedade imperial.
Evidentemente, ao tematizar a parte maldita da sociedade, nosso autor
não chega a ser um maldito, na acepção decadentista do termo, mas, de qualquer
modo, se não houvesse a caricatura, bem poderia ter sido um deles.