A obra publicado em 1938, O Feijão e o Sonho caiu no
agrado da crítica e do público exatamente por desenvolver uma temática tão a
gosto do caráter romântico do brasileiro médio. A trama gira em torno de Campos
Lara, poeta que vive a embalar o sonho da criação literária, alheio aos
aspectos práticos da luta pela sobrevivência. Casado com Maria Rosa, a relação
é um desajuste só. Campos Lara sonhando, escrevendo, poetando; Maria Rosa
batalhando, preocupando-se e, principalmente, azucrinando a vida do
irresponsável marido. Os rendimentos conseguidos pelo poeta, dando aulas ou
escrevendo para os jornais são extremamente escassos e insuficientes para fazer
frente às despesas da família. Os credores não dão sossego; o senhorio cobra os
aluguéis atrasados; o dono da farmácia deixa de fornecer medicamentos para a
filharada adoentada; a alimentação é pouca e de má qualidade: a vida é um
inferno. A todo esse desacerto, Campos Lara não dá a mínima atenção. Sua
cabeça, povoada de versos e de orgulho intelectual não desce do limbo em que se
encontra para encarar problemas triviais de manutenção familiar. Seus
mirabolantes projetos literários enchem sua vida e seu tempo. Pula de emprego
em emprego, vê seus alunos escaparem e os que permanecem são os que não podem
pagar. Maria Rosa luta desesperadamente contra a miséria e o infortúnio.
Ao final, com a situação financeira mitigada, mas
não de todo regularizada, Campos Lara e Maria Rosa ajustam-se e sonham com o
futuro do filho caçula. Será advogado... engenheiro... até que Campos Lara
descobre que seu filho será, como ele, poeta... E isso o enche de orgulho,
esquecendo todo o drama e o sofrimento que palmilhou durante toda uma
existência, exatamente por dedicar-se à poesia, uma atividade sem qualquer
compensação financeira, num país de analfabetos. E assim termina o livro, com
seu filho lhe perguntando sobre o que achou do seu poema. Campos Lara fica
pensativo, entre o feijão e o sonho, sem saber o que dizer...
Análise Crítica
O texto, como bem sugere o título, sustenta-se sobre
duas linhas básicas: o feijão é o lado prático da vida. A necessidade de o
indivíduo prover o próprio sustento e o da família. A luta pela sobrevivência
que se desenvolve em cada momento da trajetória do homem pela vida afora. O
sonho é a fantasia, a quimera que cada um tem dentro de si. A aspiração de
grandeza, de desligamento dessa realidade tão dura e desagradável. As duas
linhas formam a grande antítese alicerçadora da vida. Os que se fixam no feijão
tornam-se amargos, desagradáveis, agressivos. A obsessão pelo lado prático da
existência impede-os de tomar uma atitude carinhosa, compreensiva, aconchegante
diante daqueles que deles se aproximam. Os adeptos do sonho perdem o senso da
realidade e tornam-se desajustados em um mundo excessivamente materialista. São
criticados, espezinhados, humilhados e sua vida é um rosário de sofrimentos e
de dor. Pela data da publicação — 1938 — quando o autor contava apenas 35 anos,
o livro não é, evidentemente, autobiográfico. Entretanto sua trama conduz para
fatos sobejamente conhecidos com inúmeros artistas de todas as áreas. Orígenes
Lessa não inovou em nada, mas apenas deu forma literária a uma história
sobejamente conhecida e repetida desde sempre: o artista sonhador, pobre e incompreendido;
a mulher que o impele à luta e o obriga a encarar o lado prático da vida.
Nenhuma novidade... O grande mérito está no despojamento da linguagem; na trama
simples; na sugestão de que se podem encontrar significados profundos em
atitudes aparentemente superficiais dos personagens; no processo de iniciação
do jovem leitor nos caminhos do consumo da literatura; na exploração
inteligente do idealismo tão próprio da juventude ainda não batida pelo tempo e
pela desilusão.