Encarnação (José de Alencar)


O livro Encarnação, de José de Alencar, só foi publicado em 1877, postumamente. É o último dos romances urbanos do autor. As personagens femininas de Alencar propõem-se, inicialmente, como retratos emoldurados pela marca da firmeza, da inteligência e do espírito crítico. À medida que a narrativa se desenvolve revelam-se como duplos da personagem masculina e confirmação do seu desejo.
A personagem feminina, criada no registro masculino, não coincide com a mulher real do cotidiano. No espaço da ficção, nasce a heroína literária romântica sempre pronta a ser o desejo do seu herói. No texto, surge uma miragem de mulher, tornando-se um modelo a seguir.
Encarnação é o elogio da submissão. No início do romance, Amália é aquela que zomba do amor romântico, do homem ideal.
O romance “Encarnação”, de José de Alencar, nos apresenta a história de amor entre duas almas, Hermano e Julieta. Quando a morte da amada os separa, Hermano se fecha em seu mundo, agindo como se o espírito da falecida o acompanhasse. É quando surge Amália, que fica fascinada pela intensidade desse amor. Ela acaba desejando ser amada por Hermano assim como Julieta era amada, portanto, usa de seus encantos e de seu dom musical para conquistá-lo. Assim, eles se casam, mas parece que Hermano ainda não conseguiu se desfazer da imagem de Julieta. Amália age como a morta, fazendo os mesmos gestos, cantando a mesma música, e até disfarçando a cor dos cabelos. O processo de conquista implicará a transformação de Amália em Julieta, por meio de um jogo de gestos, penteados e hábitos da esposa morta, até que Hermano, confundindo as duas mulheres, acabará por apaixonar-se por Amália e realizar-se no imaginário desse amor de conjunção total. Com esse jogo, Amália perde sua identidade. Hermano se apaixona por um ideal. Amália pode ser considerada o protótipo da submissão a um modelo patriarcal, por legitimar o narcisismo de Hermano.
Sentindo-se culpado de amar Amália e Julieta ao mesmo tempo, Hermano decide se matar provocando um incêndio em sua própria casa. Mas, antes que a casa pegasse fogo, ele tem uma alucinação onde Julieta diz para ele que ela encarnou no corpo de Amália, que elas são a mesma pessoa. Então Amália chega em casa a tempo de salvar seu marido e eles se mudaram para Europa. Cinco anos depois eles voltaram para o Brasil com a sua filha Julieta que, misteriosamente, se parecia com a falecida mulher de Hermano, ao mesmo tempo que tinha características de Amália.
Os espaços principais no romance são: o cotidiano da vida cortesã no Rio de Janeiro, segunda metade do século XIX, casa do Sr. Veiga (pai de Amália), casa de Hermano (ao lado), quarto de Julieta (cristalização de um passado), casa em  ruína (libertação da imagem de Julieta morta, da obsessão).
O olhar sustenta a ficção. No romance, Amália cria sua ficção e faz dela a sua vida. A curiosidade e o olhar para as casas vizinhas estruturam o enredo e permitem o conhecimento e o contato entre os protagonistas.
As manifestações lúdico-musicais (ópera, teatro, piano, canto, sarau) comparecem nos romances urbanos de Alencar como ingredientes da escolhida sociedade da corte. Os eventos servem de aproximação e definição do par amoroso. O canto funciona como uma chave que abre a passagem entre o mundo da fantasia e o mundo da realidade, entre a mulher imaginada e a mulher com quem depara. Depois quebra a indiferença inicial entre Hermano e Amália. Esta percebe o sentido simbólico da ópera Lúcia de Lammermoor e a executa, com a intenção de atrair sua atenção.
São  ainda características marcantes na obra: foco narrativo entre primeira e terceira pessoas, metalinguagem, linguagem rica e minuciosa, enredo perfeito, grande suspense. Vale a pena conferir a incapacidade de lidar com o passado de Hermano e a curiosidade e compulsão de olhar da personagem Amália.