O Ateneu (Raul Pompéia)



O Ateneu - resumo e análise da obra de Raul Pompéia

Quem aprecia uma boa leitura não pode deixar de ler o livro O Ateneu, de Raul Pompeia. O autor narra como um garoto de cerca de 11 anos passa pela experiência de estudar em um internato, que dá nome ao livro. De inicio o jovem mescla a preocupação de abandonar o aconchego do lar, onde recebe todo cuidado maternal com a expectativa de poder sair de casa, definir sua individualidade, partir como um guerreiro para travar e vencer a luta contra o ambiente do Ateneu.
Sérgio, nome que recebe o garoto, já havia estado por duas ocasiões no Ateneu e trazia ótimas recordações do que presenciara ali. Eram as festividades da cidade quando pessoas tão nobres como o Dr. Aristarco Argolo de Ramos da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte, enchia o Império com o seu renome de pedagogo, o ministro do império bem como a cidade em peso; Nessas ocasiões havia desfiles dos alunos impecavelmente vestidos. Uma outra vez foi por ocasião da festa da ginástica. As galas do momento faziam sorrir a paisagem. O arvoredo do imenso jardim, entretecido a cores por mil bandeiras, brilhava ao sol vivo com o esplendor de estranha alegria; os vistosos panos, em meio da ramagem, fingiam flores colossais, numa caricatura extravagante de primavera.
“Eu ia carregado, no impulso da multidão. Meu pai prendia-me solidamente o pulso, que me não extraviasse”... essa descrição mostra o quanto o garoto se iludia com a idéia de que o Ateneu era um lugar ideal para se viver. Note como o autor descreve o fascínio do garoto pelo Ateneu. “É fácil conceber a atração que me chamava para aquele mundo tão altamente interessante, no conceito das minhas impressões. Avaliem o prazer que tive, quando me disse meu pai que eu ia ser apresentado ao diretor do Ateneu e à matrícula. O movimento não era mais a vaidade, antes o legítimo instinto da responsabilidade altiva era uma conseqüência apaixonada da sedução do espetáculo, o arroubo de solidariedade que me parecia prender à comunhão fraternal da escola. Honrado engano, esse ardor franco por uma empresa ideal de energia e de dedicação premeditada confusamente, no cálculo pobre de uma experiência de dez anos”...
Mas ao chegar ao Ateneu Sérgio se depara com a fria realidade de um sistema onde o preconceito é marcado por distinções políticas, por distinções financeiras e na crônica escolar do discípulo. Levado a conhecer o internato, Sérgio descobre o quão severo é o rigor moral da instituição que não tolera a imoralidade em espécie alguma.  Encontrou em Rabelo um amigo que lhe ajudaria a lidar com os demais alunos mostrando os que eram bons e os que eram más companhias.
A solidão resultante da ausência do carinho materno aliado ao ambiente hostil ali encontrado logo cobrou seu tributo. Narrando os fatos ali vividos, o incidente no tanque de banho quando alguém covardemente o puxou para baixo da água quase o matando afogado  é citado como recordação que não gostaria de ter.
Ainda outro aspecto destacado é a relação do garoto com Deus que se desenvolveu a partir das aulas de catequismo o que acabou resultando na sua descrença devido a confusa maneira dos ensinamentos a respeito do Todo Poderoso.
As férias que lhe daria a oportunidade de rever a família veio como um bálsamo. As lágrimas de alegria se misturavam com a emoção de estar entre os seus. O assassinato de um homem envolvido na disputa do coração de uma criada causou grande confusão no Ateneu, em certa noite por volta da hora do jantar. E assim o autor continua vivendo entre uma aventura e outra, entre decepções e alegrias resultantes de sua permanência no internato até acontecer um incêndio que destruiu parcialmente o suntuoso edifício.
Tiramos uma lição muito valiosa deste relato entre a realidade e a ilusão a um grande abismo, alguns quando confrontados com a realidade preferem viver em ilusão; outros se esquecendo das ilusões encaram a realidade e amadurecem mais e mais fazendo da vida a verdadeira escola e do tempo o verdadeiro mestre.

Análise do livro
Sérgio, o protagonista, relembra os dois anos em que viveu no internato chamado Ateneu, num texto marcado por características do naturalismo, mas que não se limita a seguir os preceitos desse movimento literário
O Ateneu, livro de Raul Pompéia que tem como subtítulo Crônica de Saudades, foi publicado em folhetins em 1888. Considerada uma das grandes obras da literatura brasileira, narra os dois anos em que Sérgio, o protagonista, vive no internato chamado Ateneu.
A primeira dificuldade na análise do livro é enquadrá-lo numa categoria fixa, ou seja, fazer uma classificação rígida sobre que tipo de romance ele representa. Pode ser considerado desde um relato autobiográfico até um romance de formação, ou ainda uma típica narrativa de cunho naturalista. Vistas isoladamente, no entanto, essas abordagens deixam a dever no entendimento final da obra.
NATURALISMO SUBVERTIDO
De acordo com os preceitos do romance naturalista, ao qual se pode associar o livro, depreende-se em O Ateneu uma crítica feroz às instituições de ensino das elites do século XIX. O colégio é visto como microcosmo da sociedade. Para isso, o narrador utiliza descrições de toda ordem, físicas ou psicológicas, levadas a cabo com rigor e riqueza de detalhes quase científicos.
A narrativa é assim apresentada num movimento linear de fora para dentro, do macro para o micro. É como se o leitor penetrasse em um organismo vivo. Inicialmente, a instituição educacional é mostrada a partir de um foco externo: as festas, os discursos, os ginastas e suas coreografias, a princesa imperial, que prestigiava os eventos, e, principalmente, a figura central de Aristarco, pedagogo e dono do colégio.
Desse ponto de vista, o narrador encara o Ateneu com certa perplexidade e maravilhamento. O colégio não se revela ainda um mundo rebaixado, como se verá mais tarde. Nesse nível, a percepção do que é a escola se situa no âmbito do discurso publicitário, “dos reclames”, no dizer do narrador, o que é sublinhado, de forma irônica, por meio do personagem Aristarco.
Esse primeiro exame dá conta do viés naturalista. Há, porém, um aspecto que deixa a leitura mais complexa. A estética naturalista concebe uma arte na qual o autor assume o papel de observador, daí seu pretenso distanciamento em relação à matéria narrada, para que possa criticar de forma mais adequada as doenças do mundo. Era a maneira – que naquele momento tinha grande prestígio na Europa – de conceber as artes: o artista se coloca como cientista e se isola do mundo por ele examinado.
Em O Ateneu, no entanto, há um narrador-protagonista. O foco em primeira pessoa subverte os preceitos naturalistas, de isenção e distanciamento. Sérgio narra e comenta o mundo narrado. Desse modo, a compreensão sobre o que é o Ateneu se estrutura na obra com as impressões do personagem principal. E, como elemento complicador, isso se realiza pautado na perspectiva adulta. O romance é um relato das memórias de Sérgio a respeito dos dois anos em que passou no internato.
Há, então, uma matéria narrada (o mundo do Ateneu), impregnada da consciência, das impressões do narrador, e recuperada por sua memória daquele tempo. Essa atitude literária afasta a obra do modelo clássico de realismo/naturalismo. Por outro lado, o romance abriga vários aspectos naturalistas, como o determinismo, a presença do homossexualismo e os aspectos animalescos (comparações de personagens com animais).
ESPAÇO
A obra é claramente dividida em dois espaços: fora e dentro do colégio. O primeiro é visto como ambiência do mundo natural. O segundo funciona como rito de iniciação, acontecimento traumático por meio do qual ocorre a passagem do universo infantil para o adulto, espaço para a formação do homem.

O Ateneu, contudo, em vez de formar, deforma o homem. Trata-se de uma formação às avessas, ou seja, o que se espera de uma instituição é subvertido por uma educação bárbara. O ensino no colégio é determinado por um espaço no qual impera o ideal da força sobre os mais fracos.
TEMPO
O tempo é dividido em tempo psicológico e tempo vivido. O primeiro é o da memória, manuseado pelo narrador da maneira que lhe vem na consciência. Assim, na narração temos os episódios que ficaram na memória narrativa do autor. Já o tempo vivido se circunscreve linearmente aos dois anos de internato vividos pelo protagonista. Isso garante complexidade à obra e confere maior densidade a sua leitura.
ENREDO
Após a entrada de Sérgio no Ateneu, o local é apresentado de forma minuciosa e estilizada. Há abundância descritiva de detalhes. O narrador se atém a cada episódio, buscando na memória o fio condutor da narrativa. Tudo isso amparado por metáforas e comparações, o que garante uma prosa formalmente hiperbólica, com tom de grandeza, como se o estilo elevasse aquele mundo por meio da linguagem. Assim, a cada episódio são descritos os colegas, os desafetos, os baderneiros, os protetores, os professores, Ema e, principalmente, Aristarco.
As relações entre esses personagens, no relato de Sérgio, formam o Ateneu. Esse, por sua vez, como em O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, funciona na estrutura do livro como personagem. Essa é mais uma das singularidades do romance em relação ao que prescrevia a estética naturalista, para a qual o meio se sobrepunha sempre ao indivíduo, determinando-o, como no caso do citado romance de Aluísio de Azevedo. Em O Ateneu, isso quase sempre ocorre, mas, na caracterização formal que envolve Aristarco e o Ateneu num mesmo grupo de características, o meio e o indivíduo se identificam. Isso torna as forças de determinação do meio quase nulas, colocando em ação a determinação estrutural edificada pelo poder – como acontece na hierarquia institucional, nas relações de trabalho e nas relações sociais.
Aristarco é construído no mesmo processo. Ambos – a escola e seu diretor – são abordados de maneira grandiloqüente, nas comparações com vultos da Antiguidade clássica, deuses e monumentos sacros. No entanto, essa construção mascara um lado torpe. Por baixo da carapaça de uma instituição educacional de renome, há o pior dos mundos, retratado em relações homossexuais degradadas, nas quais os mais fortes subjugam os menores.
Aristarco é visto, inicialmente, como um pedagogo-modelo. Essa imagem, no entanto, como a do próprio internato, não passa de fachada. O diretor é conivente com o ambiente mórbido das relações entre alunos e professores. Tome-se, por exemplo, o caso de Franco, um dos internos, personagem que encarna o aspecto mais doentio do colégio. Abandonado pela família, serve como bode expiatório para Aristarco.
Aristarco e o Ateneu se determinam um em função do outro, tanto no processo de sua construção como na desconstrução, quando tragicamente um interno ateia fogo ao colégio. Ema, esposa de Aristarco, aproveita o momento para fugir e abandonar o marido.