A Ilustre Casa de Ramires (Eça de Queirós)


A Ilustre Casa de Ramires pertence à terceira fase da produção queirosiana. 

Vazado em estilo apurado, com perfeita técnica narrativa e uma linguagem ora arcaizante, ora próxima da oralidade, retrata dois aspectos da realidade portuguesa: um Portugal do século XIX, de feições modernas, paralelamente a um Portugal do século XII, com a Idade Média lapidando um povo heroico. 

Ambas as épocas são vividas na aldeia de Santa Irinéia e são analisadas a partir da Torre dos Ramires, nobre mansão medieval que serve de ligação entre esses dois tempos. 

I – Situando a narrativa no presente, em terceira pessoa, apresenta como personagem o jovem Ramires, representante de uma nobreza falida econômica e moralmente. 

Gonçalo Mendes Ramires procura meios mais fáceis de arranjar a vida e acaba ingressando na política. Ao mesmo tempo, escreve uma novela histórica sobre seus heroicos antepassados, tendo por base um fado cantado por Videirinha e um poema épico escrito por um de seus tios. 

À medida que a narrativa transcorre, Ramires vai incorporando a honra e a dignidade de seus ancestrais. Empreende uma viagem à África e, depois de reconstruir suas finanças, retorna a Portugal. 

Sobressaem como personagens André Cavaleiro, homem frívolo e indigno, inimigo de Ramires e ex-noivo de Gracinha Ramires, irmã de Gonçalo. 

Depois de vê-la casada com o inocente Barolo, o inescrupuloso Cavaleiro tenta seduzir a moça. 

II – Transfere a narrativa para o passado, tendo como narrador o personagem principal da primeira parte.

No século XII viveu o velho Tructesindo Mendes Ramires, homem de espírito íntegro, rígido e audaz que procura vingar seu filho Lourenço, que ele viu morrer do alto de sua torre, em uma emboscada armada por Lopo de Baião, antigo noivo de sua filha e traidor não somente da família Ramires como do rei D. Sancho I.

Aspectos Relevantes: 

Eça de Queirós foi o mais fecundo autor do século XIX em Portugal, nenhum outro conseguiu suplantá-lo em sua capacidade analítica da sociedade do seu tempo. Sua obra desdobra-se em 03 fases bem nítidas: 

• A primeira de traços nitidamente românticos e timidamente realistas. 

• Uma segunda em que desponta o maduro e teórico escritor do naturalismo em romances como O Primo Basílio. 

• Uma terceira e última na qual o escritor tende a revisitar os exageros de sua vida e críticas pregressas, alça a si o papel de historiador tão típico de sua erudição e se refaz como nacionalista crítico de Portugal em sua história em romances como o analisado em hora, e as Cidades e as Serras.

O recado do morro (Guimarães Rosa)


A história ilustra o mundo sem lei. No sertão, vigora a regra, e não a lei - a regra da aliança e da vingança. Para o autor, estão em jogo ali novamente os destinos da civilização e da cidadania brasileira. 

O recado do morro, os personagens-viajantes se deslocam pelo interior de Minas e por vários campos do saber, ao mesmo tempo em que recontam e decifram antigas estórias, relatos da loucura e mitos anônimos. Nesse conto, uma rede de narradores é estabelecida para passar adiante uma estória que, ao final, ainda é a mesma embora já seja outra. 

O recado do morro, ouvido por Gorgulho, é contado para seu irmão Catraz, que o reconta para o jovem Joãozezim, que o narra para Guégue, o guia que se orienta por referências móveis. A partir daí, o recado vira boato e pode ser ouvido no discurso apocalíptico de Nômini Dômini, nos números inscritos pelo Coletor na parede da igreja, ou na letra cantada ao violão por Laudelim, até que se torna compreendido por seu destinatário, o guia Pedro Orósio, que sempre ouvira as diversas variações da mesma história sem atinar para o fato de que isso era um aviso de sua própria morte. 

Constituído pelas relações cooperativas e desarmônicas entre saber e não-saber - entre aquele que sabe e aquele que não sabe, entre o que cada personagem sabe e as formas como o sabe e o compartilha -, o conto opera com formas e temas não-excludentes, que podem ser verificados pelos frequentes processos de tradução capazes de dar sustentação a uma poderosa estrutura fractal e em rede. 

À medida que a comitiva avança sertão adentro, o recado vai sendo passado de boca em boca a personagens excêntricos: bobos, loucos, lunáticos, fanáticos religiosos e um menino, até chegar aos ouvidos do músico Laudelim, que transforma a mensagem numa canção. Traduzido para a música, o recado é então compreendido por Pedro Orósio, a tempo de receber o aviso do Morro sobre as intenções de seus falsos amigos. 

O morro da Garça, em Minas Gerais, assume papel de destaque no conto, ao enviar mensagem de morte à personagem principal do conto, captada por um visionário sertanejo e afinal percebida a tempo por tal personagem.