No Moinho (Eça de Queirós)


O conto “No Moinho” de Eça de Queirós traz como personagem principal, Maria da Piedade que “era considerada em toda a vila como uma senhora modelo” que dava orgulho à vila por “sua beleza delicada e tocante; era loura, de perfil fino, a pele ebúrnea, e os olhos escuros”, enfim, era considerada “uma fada”. Essa descrição denota a opinião da sociedade sobre a personagem e todas as características reforçam o ideal romântico de mulher apresentado logo no início da narrativa. 

De família modesta, mãe “desagradável” e pai bêbado, Maria da Piedade vê como única saída casar-se com João Coutinho, um homem doente, mas rico, com quem teve três filhos, duas meninas e um menino que por herança genética todos nasceram doentes. Assim, restava-lhe viver como enfermeira, cuidando das doenças do marido e dos filhos. Como consequência sua vida é sombria, pois está sempre “vestida de preto” e sua casa parece “lúgubre”. 

Então, João Coutinho recebe uma carta de quem tinha orgulho, seu primo Adrião, romancista de Lisboa, anunciando sua chegada para a venda de uma propriedade rural. Imediatamente João manda providenciar estadia para o primo e isso deixa Maria da Piedade apavorada por ter em casa um estranho que quebraria a rotina da residência, porém o primo chega e deseja ficar na estalagem de Tio André para não perturbar a ordem da casa de Coutinho. 

Adrião desejava vendar uma fazenda, mas não encontrava comprador, então, João Coutinho ofereceu Maria Piedade para ir com ele à fazenda, pois era boa conselheira e entendia dessas coisas. O primo, então, comentou: um anjo que entende de cifras. E, pela primeira vez, Maria Piedade se sentiu valorizada com o dizer de um homem, pois “corou” com as palavras de Adrião. É nesse momento que ela começa a enxergar o primo com os olhos da alma. 

No dia seguinte, encaminharam-se à fazenda e o narrador descreve o dia como “fresco e claro”, características que traduzem tranquilidade e metaforiza o paraíso que antes era inexistente, por ser lúgubre e cheio de trevas. 

Decidiram, posteriormente, ir ao moinho para que Adrião conhecesse. “Já viu o moinho? – perguntou-lhe ela. Tenho vontade de o ver, se mo quiser mostrar, prima.” Essa parte do diálogo mostra que os dois já se sentiam atraídos e pouco faltava para que essa atração os unisse. Nesse dia, Adrião vai para a estalagem e percebe que está “interessado por aquela criatura tão triste e doce”, diferente das demais mulheres que ele conhecera, já que era um homem desejado por todas. 

Ao descrever a mulher desejada, Adrião demonstra o conhecimento que tem da alma feminina, adquirido com seu último livro, Madalena, pois a obra exigiu “um estudo de mulher trabalhado a grande estilo, duma análise delicada e sutil” que o consagrou como mestre na análise da mulher. Após observar aquela que ele chamava de anjo, pôde concluir que ela era presa àquele lugar, à tradição e “bastaria um sopro para o fazer remontar ao céu natural, aos cimos puros da sentimentalidade”. Nesse trecho é possível perceber o que Adrião já planejava acontecer nos próximos dias. 

Como combinado, foram ao moinho e cansada da caminhada, Maria da Piedade senta-se numa pedra e Adrião começa a comparar o moinho com o paraíso e a imaginar como seria se eles para sempre ficassem ali. Então, ela fica corada e ri. Mas, de repente, ele a abraça e a beija profundo e interminavelmente, colocando-a contra seu peito, “branca, como morta”. A palavra morta nesse trecho é usada de maneira dicotômica, representando a morte e a vida, pois até esse momento Maria da Piedade não vive para si e não é feliz, pois vive apenas para o marido e os filhos. Assim, Adrião com um beijo a desperta, como se fosse a Bela Adormecida, para a vida. Após beijá-la, ele fica contente com sua “generosidade” como se ele soubesse as possíveis consequências do beijo na prima, que se evidenciam no trecho onde ele afirma que “de resto um momento como aquele no moinho não voltaria. Seria absurdo ficar ali, naquele canto odioso da província, desmoralizando, a frio, uma boa mãe...”. 

Maria da Piedade ao sentir e visualizar outras possibilidades para sua existência, além de ser enfermeira do marido e dos filhos, reflete sobre a vida que tem e começa a achar os seus “fardos injustos”, então, compreendemos que quando não se conhece outros “sabores”, resta o contentamento com o que se tem. A partir dessa conclusão a personagem começa a pensar em apressar a morte do marido e a deixar os filhos sujos e sem comida.

Injustiçada, restava-lhe o amor que sentia por Adrião e “refugiava-se então naquele amor como uma compensação deliciosa”, portanto, ela passara a sonhar, a imaginar aquele homem forte, extraordinário, belo como sendo a razão de sua vida, pois antes de conhecê-lo estava morta ao lado de um homem fraco e doente que era João Coutinho. Inclusive, é possível fazer uma comparação semântica entre o nome de Adrião que reflete expansividade, força, enquanto o de João Coutinho com o diminutivo o faz pequeno e fraco. 

Amando Adrião, Maria da Piedade queria tudo “que era ou vinha dele”, por isso “leu todos os seus livros, sobretudo aquela Madalena que também amara e morrera dum abandono”, nesse momento ela se identifica com Madalena, pois amara e também fora abandonada por Adrião. E lendo, se acalmava e revidava a vida que vivia, pois pegava emprestado essa vivência quando chorava “as dores das heroínas de romance”, logo, “parecia sentir alívio às suas”.

Ela passou a sentir necessidade de ler romances constantemente, assim “criando no seu espírito um mundo artificial e idealizado”. É nesse momento que a personagem começa a idealizar, coisa que não fazia antes, também começam aparecer revoltas, ocasionadas pelas interrupções à suas leituras românticas. 

“O seu amor desprendeu-se pouco a pouco da imagem de Adrião e alargou-se a um ser vago que era feito de tudo que a encantara nos heróis de novela”, Maria da Piedade queria ser amada, importante como mulher e possuída pelos homens aos moldes dos romances que lia, pois assim ela preencheria seu vazio com seus amantes que, em geral, eram fortes, o oposto da figura raquítica de seu marido. 

“À noite abafava; abria a janela; mas o cálido ar, o bafo morno da terra aquecida do sol, enchiam-na dum desejo intenso, duma ânsia voluptuosa, cortada de crises de choro.” O momento noturno propiciava reflexão e solidão à Maria da Piedade que mesmo rodeada de amantes, terminava solitária e chorosa à noite. Então, no moinho, a figura de Santa se transforma em Vênus, deusa do amor responsável pelo prazer, pelo sexo e pela satisfação de maneira inconsequente, sendo na Odisseia aquela que também trai. 

É preciso reconhecer que Maria da Piedade desejou ser outra antes da sua transformação em Vênus, pois tinha “momentos em que desejasse alguma outra coisa além daquelas quatro paredes, impregnadas do bafo de doença...”, portanto, não se muda uma pessoa, apenas lhe mostra o caminho, as escolhas e Adrião lhe mostrou um mundo novo, cheio de opções além das enfermidades, a fez livre e por se tornar livre, acabou escandalizando “toda a vila” que tinha princípios morais opostos aos adotados por Vênus. 

A traição ocorrida em “No moinho” tem uma mera semelhança com o romance, do mesmo autor, “O Primo Basílio”. No conto, Maria da Piedade mesmo tendo um marido, não tem um companheiro, pois este vive enfermo, assim como Luísa no romance, que tem um marido ausente. Ambas sofrem por essa condição e com a chegada dos primos Adrião e Basílio, respectivamente, a situação é intensificada, culminando no adultério. As duas mulheres, antes vistas como anjos, caem em traição e viram “Vênus”, sendo malvistas pela sociedade a que pertencem. 

Ao abordar esse tema (adultério), Eça de Queirós pretende criticar a influência dos romances nas traições matrimoniais, fato bastante evidenciado no conto, onde o narrador afirma que “o romantismo mórbido tinha penetrado naquele ser, e desmoralizara-o tão profundamente, que chegou ao momento em que bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços”. Devido a essa crítica ao idealismo romântico o conto se encaixa na perspectiva naturalista, pois o instinto prevalece à razão, por meio do espaço corrompido moralmente pela traição, assim, provando que o meio é capaz de influenciar o homem.

O Espírito das Leis (Montesquieu)


O Espírito das Leis (Montesquieu) “O espírito das Leis”, a qual trata de comparar os diferentes tipos de governo, busca utilizar a sua visão do ser humano, para explicar as ações e paixões e as predileções sobre um ou outro tipo de governo. Em seu livro, tenta desenvolver um governo efetivo, que irá manter o país unido. 

Montesquieu acredita que o mais efetivo tipo de governo é a monarquia. Através dela, o monarca exerce seu poder, com sua nobreza, e o clero e o parlamento controlam suas ações. Ele acredita que o fraco deve se proteger do forte através das leis e pela separação dos poderes. Ele defende a tese de que a nobreza e o monarca devem ambos estar presentes, e não terão sucesso um sem o outro. 

Para se ter sucesso, deve-se compreender que os membros das classes não eram iguais, mas tinham algumas necessidades semelhantes. Ele refere-se à importância de se educar o cidadão no sentido de entender que as leis eram o caminho certo a se seguir, e explicar o porquê dessa necessidade. Montesquieu acreditava que a religião era a peça fundamental para ajudar a controlar o país, e deve ser utilizada pelo governante para manter a lealdade dos cidadãos. 

No geral, O Espírito das Leis não foi seguido à risca pelos governantes em seu tempo, mas serviu de guia para muitos governos, inclusive em nossos tempos. 

Objetivo claro: destacar e analisar em separado o aspecto propriamente político e social do homem. "Não se deve de modo algum estatuir pelas leis divinas o que deve sê-lo pelas leis humanas, nem regulamentar pelas leis humanas o que deve ser feito pelas leis divinas", escreve ele, estabelecendo a divisão entre religião e política. 

Quer assim demarcar o domínio próprio da política e de sua ciência, que não se confunde com o da religião ou o da moral. Para muitos, ele inaugura a sociologia política. Para o pensador, as religiões, os valores morais e os costumes devem ser analisados não em si mesmos, mas na sua relação com os diversos modos de organização das sociedades. É preciso também verificar as relações em que tais sociedades manchem com os dados naturais, como o clima e o solo. 

Para ele, o que importa não é julgar os governos existentes, mas compreender a natureza e o principio de cada espécie de governo. 

Para ele, qualquer Estado contem 3 tipos de poderes: legislativo, executivo e judiciário. Se cada poder agir por sua própria conta, não há como impedir as arbitrariedades, é o mínimo de liberdade. 

No oposto, onde cada um interfere nos outros, uma combinação entre ambos, forma-se um equilíbrio. O modelo é o governo da Inglaterra. 

Sua principal obra, “O espírito das Leis”, trata de examinar 3 tipos de governo, a República, a Monarquia e o Despotismo, onde explica também que as leis que governam o povo devem levar em consideração o clima, a geografia e outras circunstâncias gerais, e que, também as forças que governam devem ser separadas e balanceadas para garantir os direitos individuais e a liberdade.

“Quando se faz uma estátua, não se deve estar sempre sentado no mesmo lugar; é preciso vê-la de todos os lados, de longe, de perto, de cima, de baixo, em todos os sentidos” (Montesquieu). 

Cientista, dissecador de rãs... As ciências exatas estavam muito em moda no século XVIII. Montesquieu demonstra muita sua tendência para a investigação científica. 

Obra composta de 31 livros, sem dúvida o “Espírito das Leis, ou a Relação que devem ter com a Constituição de cada Governo, com os Costumes, clima, Religião, Comércio”, etc... é, de longe, sua obra-prima: 

Publicada em novembro de 1748, em Genebra, onde fora impresso, anônima, e todos apontavam seu autor: Montesquieu. 

Principais questões a serem respondidas pela obra “O Espírito das Leis”: 

Por que em tal país e em um dado momento, sobre um determinado assunto, uma lei e não outra? Por que, em igualdade das demais condições, é eficaz determinada lei e não outra? 

Existe precisamente um espírito das leis, pois o legislador obedece a princípios, a motivos, a tendências examináveis pela razão: “primeiro examinei os homens, e acreditei que, na infinita diversidade de leis e de costumes, não se deixaram levar exclusivamente pelas suas fantasias”. 

Toda lei é relativa a um elemento da realidade física, moral ou social; toda lei pressupõe uma relação. O Espírito das Leis consiste nas diversas relações que podem ter as leis com diversos objetos. 

Diferentemente de Maquiavel, o recusa à fortuna, pois verifica que, historicamente, os romanos foram constantemente felizes ao se governarem de acordo com determinado plano, e constantemente infelizes ao seguirem outro. Ou seja, existem causas gerais que agem em cada Monarquia, elevando-a, conservando-a ou precipitando-a, as quais devem explicar racionalmente a história. 

Diferente de Hobbes ou Locke, não busca encontrar um sistema político armado dos pés à cabeça, uma doutrina rigorosamente dedutiva: busca suas ideias na investigação científica e análise dos governos de diversos países, à medida que vai desenvolvendo sua obra.