A Viúva Simões (Júlia Lopes de Almeida)


"A Viúva Simões", escrito por Júlia Lopes de Almeida, conta a história da viúva Simões, que após a morte do marido, passou a viver sozinha em um chalé em Santa Tereza, sendo servida por seus cinco criados. O que antes era status, festas e eventos sociais, se transformou apenas na rotina do lar. A autora quis nos mostrar como a preocupação e os pensamentos alheios podem interferir na vida de qualquer pessoa. 

O romance trata da história de Ernestina, uma mulher de origem modesta que após uma desilusão amorosa, realiza um casamento sem amor com o comendador Simões, de cuja união nasce Sara. Falecido o marido, resta-lhe, além da fortuna herdada, o enfrentamento social. 

O reaparecimento de um antigo amor, Luciano, reanima o cotidiano solitário de Ernestina e movimenta a trama. 

Abre-se para Ernestina, com esse reaparecimento, a possibilidade de uma retomada do passado, mas agora sob o crivo da moralidade, da censura social. Depois de casar-se com Simões, depois de enviuvar, perde ela autonomia (relativa que seja) anterior ao casamento. Como senhora Simões, deve atender a certas expectativas, entre elas a de policiar sua conduta, a de restringir seu espaço de atuação. Ela continua, de certo modo, identificada como uma mulher que pertenceu a certo homem. 

Com o tempo, mãe e filha (sem que a filha saiba inicialmente) passam a disputar a afeição desse rapaz. 

A viuvez não altera automaticamente essa situação. As restrições, como vemos no romance, continuam, em nome de uma respeitabilidade que beneficiaria o morto e as sobreviventes. Essa preocupação social se configura, e de maneira ostensiva, num porta-voz aparentemente inusitado, o retrato de Simões, primeiro instalado na sala e depois, no quarto de Ernestina. A viúva sente-se constrangida até nos pensamentos: “... não teve coragem de levantar os olhos; receou ver erguer-se da sua cadeira de veludo escarlate, na grande tela em frente, o marido terrível e ameaçador”. Em outro momento sente que dessa tela sombria “o marido parecia acompanhá-la com a vista”. 

Essa situação final carregada de tristeza e de arrependimento não nos autoriza a ver Ernestina como uma mulher moralmente reta, de índole imaculada. Foi interesseira e ardilosa quando ela quis. Essa determinação pessoal, em certa medida contrária à moral, é que a leva a reativar a antiga paixão, colocando-se, pelo desdobramento dos fatos, em situação conflituosa. 

A viuvez se apresenta, assim, como uma ruptura, ou uma restrição da capacidade afetiva. O respeito à família, ao marido morto, implica uma espécie de cancelamento das ilusões. Ernestina não deve “soltar-se”, ou, caso contrário, deve dispor-se a pagar o preço. E ela se mostra bastante disposta a enfrentar os obstáculos. Após o encontro com Luciano, interrompe o luto, abre-se para a aventura amorosa. 

Mãe e filha se tornam então rivais, com prejuízos maiores para a mãe, que sofre ao comparar-se fisicamente com Sara. Mas Ernestina não se permite sucumbir, antes sente exacerbar – e não sem sofrer – o desejo físico. Ela acaba por revelar sua afeição pelo rapaz, entendendo que isso resolveria a seu favor aquela situação angustiante: 

“– Escuta! Para ti ele é um amor que começa, um capricho de criança talvez, que se apagará depressa; e para mim ele é a vida, toda a minha mocidade! Eu era ainda mais nova do que tu e já o amava!”!

Contudo isso, no fim, Ernestina (principalmente ela) não alcança o sentido verdadeiro da presença de Luciano na vida delas. O drama da viúva Simões no contexto social dominado por valores pode também ser considerado segundo a natureza do relacionamento que ela e a filha têm com Luciano, um galanteador inescrupuloso, que se deixa envolver com Ernestina para “matar o tempo” - e ele chega a desejar que ela tivesse alguma falha de conduta, o que a descredenciaria para compromisso sério e firmaria sua ascendência moral sobre ela. Em conversa com um amigo, considera o casamento uma “asneira”, mas sugere que sem a concorrência de Sara, levaria vantagem financeira no negócio. Sobre Sara, de quem Luciano se aproxima com interesse menos escuso, chega por vezes a confundir afetividade com desejo físico. 

Com isso, o dominador masculino se mostra nocivo, sem que se altere na base, a positividade de seu destino, na sequencia. Luciano segue seu rumo linearmente, sem sequelas dos acontecimentos. 

Ao contrário, a mulher padece no rebaixamento, paga pelos “desvios” de conduta, de que também participa o homem. Ernestina é que se apresenta como transgressora, já que as restrições sociais ao comportamento masculino, pequenas, não implicam necessária e imediata sanção, ou, em outras palavras, não criam margens para que se reconheçam desvios condenáveis. 

Essa perda unilateral pode ser vista na solução da intriga: Luciano segue seu curso normalmente enquanto Ernestina e a filha, sem horizontes de mudança, ficam com o peso nefasto dos acontecimentos.