Água Viva (Clarice Lispector)


Água viva, é um longo texto ficcional em forma de monólogo, que foi publicado pela primeira vez em 1973, poucos anos antes da morte da autora, Clarice Lispector. Neste livro, Clarice leva a extremos a insurreição formal e a desestruturação da forma romancesca, criando um gênero híbrico, marcado pela fluidez, pela aparência inacabada e inconclusa, produto da liberdade. 

A obra pertence à terceira geração modernista e foi definido como "um denso e fluente poema em prosa". Nele é aclamada, amaldiçoada, reprimida e expandida a vida. 

Água Viva reflete bem o estilo clariceano de narrar: o texto ficcional que constitui objeto de exame do presente ensaio mais parece uma série de anotações. 

Não existe enredo em Água Viva, prevalecendo a repetição dos mesmos temas e o desfile de imagens multifacetadas, similares ao jogo de variações existente na música. A circularidade está presente desde a primeira até a última frase do livro: não há começo, meio ou fim. Trata-se de um texto para ser muito mais vivido do que lido, no qual a sensibilidade aflora constantemente, em um fluir de experiências vivenciadas de forma intensa. Clarice rompe com o sistema, virando-o pelo avesso, revelando o indizível, o "proibido". Como já citado, a autora promove a desconstrução e a desautomatização da linguagem, ao decompor e desmontar o próprio sistema de escrita, para tentar se libertar da náusea de viver, através da palavra expressa em neologismos, de construções inovadoras, da busca pelo sentido perfeito e por um equilíbrio entre forma e conteúdo, promovendo a exaltação do ser interior, do sujeito superfragmentado e da passagem da crise psicológica à angústia metafísica. 

Clarice estabelece uma forte relação entre a pintura e a literatura: é como se ela precisasse captar o presente ultrapassando os limites da linguagem. A personagem é uma pintora que escreve a alguém e fala constantemente de pintura, fazendo com que a respiração de um traço ou de uma pincelada estejam concretamente na obra, marcas físicas de um trabalho. A música vibra também por trás de seu texto. Há um cansaço em relação à palavra, essa palavra que nunca a satisfaz. 

Nesta obra, bem como em Um sopro de vida, Clarice Lispector oferece-nos textos que se fazem próximos da experiência com o corpo, da concretude do mundo. As reflexões partem sempre daquilo que está sendo vivido. 

Sendo assim, neste livro Clarice Lispector também faz um relato narrativo de sua vida como pintora, onde ela mesma se pergunta e responde sobre suas telas e as critica: “quando estranho uma pintura é aí que é pintura". Podemos entender tal fala da narradora /pintora como uma autocrítica de sua obra como pintora, já que nesse momento a escritora já era consagrada como tal, mesmo que sempre muito criticada, e já se enveredara nas artes plásticas. Em determinado trecho do romance, a autora se confunde com a personagem, uma solitária pintora que se lança em infinitas reflexões sobre o tempo, a vida e a morte, os sonhos e visões, as flores, os estados da alma, a coragem e o medo e, principalmente, a arte da criação, do saber usar as palavras num jogo de sons e silêncios. 

Há inúmeras passagens no livro que exemplificam a forma de pintar, sofrida e dolorida, que metaforiza o próprio escrever de Clarice, sempre buscando dizer o indizível, ou seja, como a pintura era vista num primeiro olhar ou leitura. 

Traz uma linguagem que não se perde no tempo; ao contrário, é ricamente metafórica, em que coisas, ações e emoções do dia-a-dia se transformam em grandiosas digressões indagadoras sobre o sentido da existência e da vida. Seguindo a linha de características introspectivas de seus livros, Clarice cria, em Água viva, uma obra singular, verdadeiro relato íntimo que projeta em flashes, como num caleidoscópio, verdadeiros resumos de estados de espírito em tom de confidência, onde a subjetividade sobrepuja o factual e a narradora é responsável pela cadência do texto. 

Água Viva apresenta um discurso onde os vazios são produzidos pela interrupção da coerência textual; esses espaços funcionam como instrumentos impulsionadores da consciência imaginativa do leitor; no entanto, a autora utiliza um recurso técnico de produção de texto que direciona a articulação entre o discurso linear e um outro discurso que, mesmo embutido no texto principal, se manifesta em dissonância com as unidades temáticas. 

O tema da obra é o instante, seu tema de vida. Como num exercício profundo, fala da tentativa de captar a quarta dimensão do "instante-já", que de tão fugidio não o é mais porque agora tornou-se um novo instante-já, que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. O que se fala, nunca é o que se fala, e sim outra coisa. Gira em torno de nascimento, amor, liberdade, solidão, espelho, vida secreta, prece, escuridão, morte. 

Em Água Viva os temas nascem e se repetem num jogo de variações e fuga análogo ao da música. Assim como a música nada mais é do que uma moldura para o silêncio, uma maneira de tornar perceptível a ausência do som, o texto de Água Viva é um longo adágio, um andamento lento e contínuo para além das fronteiras da palavra: "Que música belíssima ouço no profundo de mim. É feita de traços geométricos se entrecruzando no ar. É música de câmara. Música de câmara é sem melodia. É modo de expressar o silêncio". 

Sob o aspecto da palavra como um meio de expressão do silêncio, Água Viva talvez seja o texto mais perfeito de Clarice Lispector, pois ao mesmo tempo em que constitui o auge do paradoxo que funda sua escrita (só através da palavra é que o silêncio pode ser dito), também é o momento de resolução do paradoxo, através da abdicação do desejo de relatar o mundo. O mundo, então, com tudo o que ele contém, passa a ser, simplesmente, sem explicações: É-se. Sou-me. Tu te és. 

É assim que Clarice Lispector nos descreve, em seu romance Água Viva, aquela extraordinária floração do primeiro jardim, quando as plantas respiravam livremente seguindo seus próprios impulsos, quando havia cavalos soltos e, de noite, “o cavalo branco – rei da natureza – lançava para o alto ar seu longo relincho de glória”, quando o tigre lambia suas fauces após ter devorado sua presa. Havia pássaros, nos diz a autora, naquele lugar e, como místicos, levitavam com essa leveza que dá o desprender-se do chão para entregar-se a um ar carregado de perfumes. E também um “tronco luxurioso” do qual esta mulher, que passeia por essas extraordinárias folhagens da origem, afirma que “está ligado à raiz que penetra em nós na terra”. 

Poucas vezes temos a oportunidade de descobrir em um livro semelhante beleza na descrição de paisagens e de seres movendo-se em completa liberdade: tão intimamente embriagados de si mesmos que nada necessitam para justificar sua existência. Clarice Lispector escreveu esse pequeno livro, que não chega a ter cem páginas, durante três longos anos. 

Sua primeira versão foi de julho de 1971 e teve como título Atrás do Pensamento. Monólogo com a Vida. Um ano mais tarde, Clarice decidiu interrompê-lo porque não estava conseguindo o que desejava transmitir e, então, já se referiu ao livro como Objeto Gritante. Em agosto de 1973, a Editora Arte nova publicava esse original, bastante mais reduzido, com o título Água Viva. E Água Viva é uma soma de fragmentos tomados de uma e outra parte, de contos, de artigos previamente publicados no Jornal do Brasil, onde a escritora trabalhou sete anos, e, inclusive, de sua novela anterior, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres. Sua biografia nos faz notar também que a voz da narradora do livro parece ser a mesma daquela de A Paixão segundo G.H., apenas que em Água Viva “se vale de um discurso que, se caminha em fluxo, fluidamente, tentando captar a sua fonte primária”. O texto de Clarice convida a uma leitura como se esta fosse um ato de nadar ou de deslizar sobre a água. Leitura na água porque o livro é um manancial de água viva que brota como o pranto de um recém-nascido, com sua vitalidade e sua inocência; é água correndo, voz escapando, abrindo sulcos no espaço do silêncio; é alento, fluído sanguíneo circulando no incerto, no imenso organismo do Universo. O texto é uma metáfora em si mesmo, uma metáfora que não é metáfora, mas água viva. A tentativa da escritora não é traduzir para uma linguagem uma experiência, mas escrever com o mesmo gesto, com o mesmo alento daquilo que quer expressar. Não há tradução, há vida circulando em ondas, como a água e como a música, como a melodia que poderia interpretar um “quarteto de nervos”. 

A voz que nos fala em Água Viva, entoa uma melodia do tempo, inscrita no silêncio ou numa dura parede de granito. Uma voz que bate ao compasso de um coração. Uma voz que, igual que uma onda, se expande por um espaço silencioso, onde, de tempos em tempos, consegue transformar-se em palavra, em partícula que não tardará a dissolver-se novamente em um âmbito imenso e mudo. 

Lendo um livro como Água Viva descobre-se que a voz humana não é tão diferente do rugido de uma fera ou do bramir incontrolável de um mar encrespado: chega-se a saber que a palavra é semelhante a essa partícula única que adquire todas as formas possíveis, todas as dimensões imagináveis para gerar a diversidade do mundo que habitamos. O texto deste livro é um jorro de partículas que emerge e dissolve-se no vazio, fluído elétrico, seiva que sobe pelo duro tronco de uma árvore, sangue que circula pelas veias de um organismo vivo, manancial que nasce das entranhas da terra, vento que percorre as cimas, grito que perfura os muros de carne que nos isolam e uiva uma mensagem de vida.

Onze minutos (Paulo Coelho)


O livro conta a história de Maria, uma jovem nordestina que não quer se casar antes de conhecer o Rio de Janeiro. Ela então economiza algum dinheiro durante um tempo e vai realizar seu sonho. Quando chega ao Rio, Maria logo desperta o interesse de um empresário suíço que promete levá-la para a Europa e transformá-la em uma grande estrela. Maria então vai para a Suíça, com o apoio da família e com o contrato já assinado.

Porém chegando lá na Suiça Maria percebe que o trabalho é bem diferente do que ela imagina. Ela irá trabalhar numa situação de quase escravidão como dançarina em uma boate, sendo esse o passo inicial para Maria se tornar uma prostituta.

Com o tempo Maria é demitida.

Já com os sonhos totalmente destruídos, Maria tem uma nova meta: vender seu corpo para comprar uma fazenda no Brasil.

O livro é baseado no diário verdadeiro da personagem principal. 

Sozinha em um país estranho, sem conhecer nada e nem ninguém, Maria resolve procurar uma rua famosa onde encontra um nome muito familiar em um bar, “Copacabana”, e começa a trabalhar como garota de programa. Disposta a juntar um bom dinheiro e voltar a seu país com uma boa condição financeira, ela se torna uma acompanhante muito agradável e dedicada para seus clientes, sendo vista por suas colegas como uma pessoa ambiciosa. 

Apesar de viver na prostituição, Maria é inteligente e sabe conversar. Os homens gostam dela, pois ela está sempre disponível para conversar com eles e dar-lhes carinho. 

Enquanto o tempo estipulado por si mesma não chega ao fim, Maria resolve passar seu tempo de maneira diferente, estudava, lia muito, visitava a biblioteca com frequência e ía adquirindo certa sabedoria durante este período. 

Um dia, andando pelas ruas da cidade, encontra um café muito interessante e resolve entrar e experimentar o ambiente, lendo um livro e passando o tempo por ali. Quando estava prestes a sair, foi abordada por um homem que se dizia pintor e que pediu para que ela esperasse, pois queria pintá-la. Mesmo desconfiada, Maria aceitou. 

Apesar de se envolver com muitos homens diferentes e viver na promiscuidade, Maria ainda tem esperanças de encontrar um amor verdadeiro, no qual irá poder se casar e formar uma família. Esse desejo de Maria se concretiza ao conhecer o amor de sua vida, Ralf Hart, o pintor amigo. Apesar de não morarem na mesma cidade, Maria cultiva esse amor e sofre com a saudade que sente do amado constantemente. 

Ralf Hart aprecia a luz pessoal de Maria e põe em risco a sua determinação, ameaçando a sua liberdade. Apesar de Maria ser persistente e não pretender fugir dos seus objetivos, o pintor apresenta-se como uma pessoa diferente, que muito lhe ensina sobre a sua profissão, religião, sociedade e até sobre ela própria, ajudando-a a perceber o mundo que a rodeia. Mas até Maria atingir o prazo estabelecido para voltar ao nordeste brasileiro, com planos para a construção de sua fazenda ela ainda se descobre no mundo masoquista, em que sofrer é sinônimo de prazer. 

Ralf ajuda-a a escapar, e Maria percebe que chegou a hora de partir. No entanto, quando o seu avião faz escala em Paris, a jovem acaba por encontrar sua melhor companhia dos momentos felizes: Ralf espera-a no aeroporto! 

E assim a história se acaba (ou talvez comece)?...como um conto de fadas, em que a personagem principal trabalhou como prostituta e encontrou o seu príncipe encantado em um pintor boêmio... Serão felizes para sempre?

Macunaíma (Mário de Andrade)


Rapsódia escrita em 1926 e publicada em 1928 traz uma variedade de motivos populares que Mário de Andrade juntou de acordo com as afinidades existentes entre eles. Trata-se de uma espécie de "coquetel" do folclórico e do popular do Brasil. Mário de Andrade mistura o maravilhoso e o sobre-humano ao retratar as façanhas de um herói que não apresenta rigorosos referenciais espaço-temporais – Macunaíma é o representante de todas as épocas e de todos os espaços brasileiros. Macunaíma, que leva o subtítulo de "herói sem nenhum caráter", é também o nome do personagem central, um herói ameríndio que trai e é traído, que é preguiçoso, indolente, mas esperto e matreiro, individualista e dúbio.
Destituído da auréola idealizada dos românticos, Macunaíma é o índio moderno, múltiplo e contraditório. Nasce na selva, filho de uma índia tapanhumas, fala tardiamente e só anda quando ouve o som do dinheiro. Vira príncipe e trai o irmão Jiguê ao brincar com as cunhadas, primeiro Sofará e depois Iriqui. Vira homem e mata a mãe, enganado por Anhangá. Casa-se com Ci, a mãe do mato, guerreira amazonas da tribo das Icamiabas. Macunaíma torna-se o Imperador do Mato Virgem. Após seis meses, tem um filho. A criança morre, transformando-se em planta do guaraná. Ci, cansada e desiludida, vira a estrela Beta da Constelação Centauro. Antes de morrer, porém, Ci deixa ao esposo a muiraquitã, uma pedra talismã que lhe daria a garantia de felicidade.
Mas o herói perde a pedra que acaba nas mãos do rico comerciante peruano Venceslau Pietro Pietra, colecionador de pedras em São Paulo. Em companhia de seus dois irmãos – Maanape e Jiguê – vem para São Paulo a fim de reconquistar a pedra, que simboliza seu próprio ideal. Porém, Venceslau, que está disfarçado de comerciante, é na verdade o gigante Piaimã, comedor de gente; por isso, as investidas de Macunaíma contra ele não dão resultado. Só depois de apelar para a macumba Macunaíma consegue derrotar o gigante. Reconquistada a pedra, Macunaíma retorna ao Amazonas e se deixa atrair pela Iara, perdendo definitivamente a pedra. Como já não vê mais graça no mundo, vai para o céu, onde se transforma em estrela da Constelação Ursa Maior, ficando relegado ao brilho inútil das estrelas.